domingo, 16 de setembro de 2018

Carta sobre a oração





Perguntas por que rezar. Respondo: para viver

Sim: para viver verdadeiramente é preciso rezar.

Porquê? Porque viver é amar. Uma vida sem amor
não é vida. É solidão vazia. É prisão. É tristeza. Vive
verdadeiramente só quem ama e ama só quem se
sente amado, atingido e transformado pelo amor.
Como a planta não faz desabrochar seu fruto, se
não é atingida pelos raios do sol, assim, o coração
humano não se abre à vida verdadeira e plena, se não
for tocado pelo amor. Ora, o amor nasce do encontro
e vive do encontro com o amor de Deus, o maior e
o mais verdadeiro de todos os amores possíveis,
aliás, amor além de todas as definições e de todas as
nossas possibilidades. Rezando, nos deixamos amar
por Deus e sempre de novo nascemos para o amor.
Por isso, quem reza vive, no tempo e na eternidade.

E quem não reza? Quem não reza corre o risco de
morrer em seu interior, porque mais cedo ou mais
tarde lhe faltará o ar para respirar, o calor para viver, a
luz para ver, o alimento para crescer e a alegria para
dar um sentido à vida.

Dizes: mas eu não sei rezar! Perguntas: como rezar?

Respondo: começa por dar um pouco de teu tempo
para Deus. No começo, não é importante que o tempo
seja prolongado, mas que tu o dês fielmente. Fixa um
tempo para o Senhor cada dia e dá-o com fidelidade
diariamente, quando tens vontade e quando não a
tens. Procura um lugar tranqüilo, onde possivelmente
haja um sinal ou um símbolo da presença de Deus
(Cruz, estampa, Bíblia, tabernáculo com a presença eucarística...).
Recolhe-te em silêncio. Invoca o Espírito
Santo para que seja ele a gritar em ti: Abbá, Pai! Leva
a Deus o teu coração, mesmo que viva tumultuado.
Não tenhas medo de lhe dizer tudo, não só tuas dificuldades
e sofrimentos, teu pecado e tua incredulidade,
mas também tua rebeldia e teus protestos, se os tens.

Põe tudo isto nas mãos de Deus. Recorda que Deus
é Pai-Mãe no amor, que tudo acolhe, tudo perdoa,
tudo ilumina, tudo salva. Escuta seu Silêncio. Não
pretendas ter respostas imediatas. Persevera. Como
o profeta Elias, caminha no deserto até o monte de
Deus. E quando estiveres vizinho a ele, não o procures
no vento nem no terremoto nem no fogo nem nos
sinais de força e grandeza, mas na voz do silêncio sutil
(l Rs 19,12). Não queiras agarrar Deus, mas deixa que
ele passe pela tua vida e pelo teu coração, toque tua
alma e se faça contemplar por ti ainda que de costas.

Escuta a voz do seu Silêncio. Escuta sua Palavra de
vida: abre a Bíblia, medita-a com amor, deixa que a
palavra de Jesus fale ao coração do teu coração; lê
os salmos, onde encontrarás tudo o que gostarias
de dizer a Deus; escuta os apóstolos e os profetas;
enamora-te das histórias dos patriarcas e do povo
eleito e da Igreja nascente, onde encontrarás a
experiência da vida vivida no horizonte da aliança com
Deus. E quando tiveres escutado a Palavra de Deus,
anda ainda algum tempo pelos caminhos do silêncio,
deixando que o Espírito te una a Cristo, Palavra eterna
do Pai. Deixa que seja Deus Pai a plasmar-te com suas
duas mãos: o Verbo e o Espírito Santo.

No começo, poderás pensar que o tempo é demasiado
longo, que custa passar. Persevera com humildade,
dando a Deus todo o tempo que consegues dar-lhe,
nunca menos do tempo que estabeleceste dar-lhe
cada dia. Verás que, de encontro em encontro, a tua
fidelidade será premiada e perceberás que lentamente
o gosto pela oração crescerá em ti e aquilo que no
começo te parecia inacessível se tornará mais fácil e
bonito. Compreenderás, então, que o que conta não
é ter respostas, mas pôr-te à disposição de Deus. E
verás que tudo o que levares à oração será pouco
a pouco transfigurado.

Assim, quando rezares com o coração tumultuado,
se perseverares, te darás conta que, depois de rezar
longamente, não encontraste resposta aos teus
questionamentos, mas os mesmos questionamentos
se terão dissolvido como a neve ao sol e uma grande
paz entrará em teu coração: a paz de estar nas mãos
de Deus e te deixar conduzir docilmente por ele aonde
ele quiser te levar. Teu coração, então, feito novo,
poderá cantar o cântico novo, o Magnificat de Maria
sairá espontâneo de teus lábios e será cantado pela
silenciosa voz de tuas obras.

Fica sabendo, porém, que não faltarão dificuldades.
Às vezes não conseguirás fazer calar o barulho em
ti e em tormo de ti. Às vezes, sentirás cansaço e até
mesmo mal ¬estar em pôr-te em oração. Às vezes,
tua sensibilidade se embaciará e, então, preferirás
fazer qualquer coisa em vez de ficar em oração diante
de Deus e "perder tempo" com ele. Sentirás, enfim,
as tentações do Maligno, que procurará de todos
os modos separar-te do Senhor, afastando-te da
oração. Não tenhas medo: as mesmas provações que
experimentas as viveram os santos antes de ti e quase
sempre elas foram bem mais pesadas que as tuas. Tu,
continua a manter a fé. Persevera. Resiste. Lembra-te
de que a única coisa que, de fato, podemos dar a Deus
é a prova de nossa fidelidade. Com a perseverança
salvarás a tua oração e a tua vida.

Virá a hora da "noite escura", em que tudo nas
coisas de Deus te parecerá árido e até absurdo.
Não tenhas medo. Essa é a hora em que deves lutar
com o próprio Deus. Tira de ti todo pecado através
da confissão humilde e sincera de tuas culpas e o
perdão sacramental. Dá a Deus ainda mais do teu
tempo. Deixa que a hora da noite dos sentidos e do
espírito se torne para ti a hora da participação na
paixão do Senhor. A esse ponto, será o próprio Jesus
a carregar a tua cruz e a levar-te com ele à alegria da
Páscoa. Não te admirarás, então, de achar até mesmo
agradável aquela noite, porque a verás transformada
para ti numa noite de amor, inundada pela alegria
da presença do Amado, cheia do perfume de Cristo,
iluminada com a luz pascal.

Não tenhas medo, portanto, das provações e das
dificuldades na oração. Lembra-te apenas de que Deus
é fiel e jamais te mandará uma provação sem dar-te
o caminho para sair dela. Não te exporá nunca a uma
tentação sem dar-te a força de suportá-la e vencê-la.
Deixa-te amar por Deus. Como uma gota d' água que
se evapora aos raios do sol e sobe e retoma à terra
em forma de chuva fecunda ou sereno consolador,
assim, deixa que todo o teu ser seja trabalhado por
Deus, plasmado pelo amor dos Três, absorvido neles
e restituído como dom fecundo à história. Deixa que
a oração faça crescer em ti a libertação de todos os
medos, a coragem e a audácia do amor, a fidelidade às
pessoas que Deus te confiou e às situações em que
te pôs, sem procurar fugas ou consolações baratas.
Aprende, rezando, a viver a paciência de esperar os
tempos de Deus, que não são os nossos tempos, e
a seguir os caminhos de Deus que tantas vezes não
são os nossos caminhos.

Um dom particular que a oração te dará é o amor
pelos outros e o senso eclesial. Quanto mais rezares,
mais misericórdia terás para com todos, mais
quererás ajudar a quem sofre, mais terás fome e sede
de justiça para todos, principalmente pelos mais
pobres e desvalidos, mais carregarás o pecado dos
outros para completar em ti o que falta à paixão de
Cristo, para vantagem de seu Corpo, que é a Igreja.
Rezando, sentirás como é belo estar na barca de
Pedro, solidário com todos, dócil à guia dos pastores,
sustentado pela oração de todos pronto a servir o
próximo na gratuidade, sem nada pedir em troca.
Rezando, sentirás crescer em ti a paixão pela unidade
do Corpo de Cristo e de toda a família humana. A
oração é a escola do amor, porque é nela que podes
reconhecer-te infinitamente amado e sempre de novo
nascer para a generosidade do perdão e da doação
sem cálculos, indo além de todos os cansaços.
Rezando, aprendemos a rezar. Gozamos dos frutos
do Espírito, que fazem a vida bonita e verdadeira:
"amor, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade,
fidelidade, mansidão, autodomínio" (GI 5,22). Rezando,
tomamo-nos amor, e a vida adquire o sentido e a beleza
que Deus lhe deu ao criá-la. Rezando, percebemos
sempre mais a urgência de levar o Evangelho a todos,
até às extremidades da terra. Rezando, descobrimos
os infinitos dons do Amado e aprendemos sempre
mais a dar-lhe graças em todas as coisas. Rezando,
vivemos. Rezando, amamos. Rezando, louvamos.
E o louvor é a maior alegria e a maior paz do nosso
coração inquieto agora no tempo e na eternidade.

Então, se eu tivesse que te desejar o presente mais
bonito, se eu quisesse pedi-lo por ti a Deus, não
duvidaria em pedir-lhe o dom da oração. E lho peço.
E tu não hesites em pedi-lo por mim. E para ti. A paz
de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai
e a Comunhão do Espírito Santo estejam contigo.
E tu estejas neles. Porque pela oração entrarás no
coração de Deus, estarás escondido com Cristo nele,
envolto em seu amor eterno, fiel e sempre novo. Agora
sabes: quem reza com Jesus e nele, quem suplica
a Jesus ou ao Pai de Jesus ou invoca seu Espírito,
não está rezando a um Deus genérico e longínquo,
mas reza ao Pai, em Deus, no Espírito, pelo Filho. E do
Pai, mediante Jesus, no sopro do Espírito, receberá
todo o dom perfeito, para seu bem, desde sempre
preparado para ele e por ele desejado. O dom que nos
aguarda. Que te aguarda.

Por: Bruno Forte. In: O Mendicante do Céu. Editora Vozes, 2004